Vejo, logo existe!

Na época em que minhas crianças nasceram, e aí vão longos trinta e poucos anos, existia uma coluna numa dessas revistas voltadas aos pais, principalmente os de primeira viagem, que tinha o nome, bem sugestivo, “Criança diz cada uma!”, na qual um pediatra relatava diversas frases, ditas por crianças.

Não duvidava, mas vez ou outra ficava meio desconfiado com o que era atribuído às crianças, às vezes achava que elas eram pequenas demais para terem dito determinadas frases.

Hoje eu creio piamente. Estou naquela fase em que o tempo corre mais devagar, numa fase em que passamos a dar mais valor a pequeninas coisas, passamos a valorizar mais os detalhes e principalmente: Tenho netos!

Murilo, meu neto, é mestre em grandes sacadas, grandes tiradas, está com cinco anos e literalmente diz cada uma...

O interessante porem não é a frase em si, mas sim o que está por trás dela e isso, muitas vezes é divertido outras vezes é assustador e preocupante.

Outro dia, para ser exato o oitavo dia seguido de chuva e de frio em que não se podia sair de casa para brincar, Murilo não agüentando mais ficar encapotado, tirou a calça de moletom, abriu os braços e gritou a plenos pulmões, revoltado:

— Capitão cueca!

Essa foi divertida, mas há dois anos atrás quando ele tinha três anos de idade e ainda morava em Brasília, num apartamento, no terceiro andar, quando colocou a capa vermelha com o símbolo SM desenhado, de “Super Murilo”, não foi nada divertido. Subiu no encosto do sofá encostou-se à parede pra tomar impulso e disse:

— Vô vuá!

E saltou do encosto do sofá no tapete da sala Na verdade foi preocupante. O sofá era encostado na janela do apartamento. Sim! Tinha grade, mas fico imaginando se não tivesse. Era bem possível que ele subisse no parapeito da janela e saltasse. Na cabecinha dele a capa lhe dava plenos poderes de voar.

De onde tirou isso? Da televisão! Ele viu o Super-Homem voando com sua capa vermelha, achou o máximo e pediu uma pra ele também.

As crianças possuem muita imaginação, mas quando ainda pequenas não conseguem distinguir o real do imaginário, para elas, se vêem algo, aquilo existe, mesmo que tenha visto apenas na televisão.

Murilo adora os filmes e desenhos dos Power Rangers, vive brincando disso, ele é o Power Ranger verde, a irmã é o amarelo, a mãe o azul e por aí a fora.

A ultima tirada dele foi domingo passado quando o pai dele o levou até quartel do exército onde trabalha. Chegando lá foram ao encontro dos oficiais de uma academia militar que estavam visitando a cidade. Todos vestidos com o fardamento camuflado do exercito e no grupo um japonês de olho bem puxado. Não deu outra, o Murilo chegou até ele e lascou:

— Você é o Power Ranger da floresta?

O rapaz, um tenente, respondeu que não, o que deixou o Murilo de certa forma desapontado, tanto que arrematou, num tom de admiração:

— Mas japonês sabe lutar, tem poder!

Como quem diz: — Como você não é o Power Ranger da floresta?

Provavelmente ele ainda não tinha visto um japonês usando roupas militares principalmente porque ele atualmente mora numa cidade onde a maioria das pessoas são loirinhas e de olhos azuis, fato que também pode explicar porque ele há algum tempo atrás, na sua inocência de criança, chegou na mãe dele e perguntou:

— Mamãe! Por que tem gente que nasce marrom?


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