Isso é o que eu chamo de janta!







Certa vez comentei com uma amiga: — Gostaria de viver uns trezentos anos!

Não que não queira ficar velho, não queira envelhecer, não. Isso é uma coisa natural da vida, velhice é uma coisa que está na cabeça, não no coração, mas gostaria de viver uns trezentos anos porque acho que temos muito que aprender na vida, temos muita coisa pra ver, temos muito que ensinar também.

Quando a gente pensa que está apto a ensinar, estamos no fim da vida. O pior é que quando a gente pensa que está apto a ensinar, ainda temos muito que aprender.

Quando a gente pensa que já viu tudo nesta vida? Cara! Temos muita coisa pra ver, ainda somos cegos, temos muito que aprender.

Certa vez vinha vindo de Ilhéus com minha esposa, meu filho e a namorada dele. Hoje, ela é uma filha que ganhamos, mas na época? Sequer minha nora querida ela era, ainda não tinha chegado nessa fase, nem nora ela era, era apenas mais uma namorada dele, pois foi depois que vieram de lá que ficaram noivos, casaram e nos deram uma linda netinha: Sofia!

Vai-se um bom tempo já, desde esse dia.

Pois bem, saindo de Ilhéus fomos até Poções onde pegamos a BR116 e seguimos sentido Belo Horizonte.

Assim que cruzamos o estado da Bahia paramos na primeira cidadezinha que encontramos, afinal passava das seis horas da tarde e não queríamos dirigir durante a noite, alem do mais estávamos com fome e cansados da viagem, tínhamos viajado por mais de sete horas nesse dia, por estradas que infelizmente deixavam a desejar.

Divisa Alegre, o nome da cidadezinha, hoje eu sei que é uma jovem cidade com pouco mais de 5.000 habitantes, fundada em 1997, situada a 975 metros de altura em relação ao nível do mar, à margem da BR116, etc., etc., etc. Hoje tem o Google, fica fácil demais!

Chegamos a Divisa Alegre e paramos no primeiro posto de gasolina que encontramos, também à margem da estrada, acho que era o único, mas vamos lá. Paramos fomos ao banheiro, verificamos o restaurante do posto, vimos que servia comida pelo sistema self service, conferimos o cardápio, dava prá comer e obtivemos informação sobre onde hospedar-se na cidade.

O gerente do posto nos indicou o Hotel Brasil, de propriedade de um amigo dele e que era considerado um dos melhores da cidade, muito familiar, localizado numa rua paralela a essa rodovia.

Fomos até lá, verificamos o local e considerando que era um dos melhores da cidade não nos prendemos a verificar beleza, nos ativemos apenas a verificar o quesito higiene, mais nada.

O local era simples, e bota simples nisso, as paredes não eram pintadas, eram caiadas. Normalmente considera-se que uma parede é pintada quando recebe um reboco de massa fina e tinta látex. Notava-se que as paredes do hotelzinho eram feitam com areia grossa e simplesmente caiadas, ou seja, pintadas com cal. O piso de cimento liso vermelho, o famoso “vermelhão”. O quarto em que ficamos era uma suíte (um dos melhores), com banheiro exclusivo, com uma cama de casal e duas de solteiro.

Bom... Não existia porta do banheiro, a porta não passava de uma cortina de tecido. A parede do banheiro mal passava dos dois metros e quarenta de altura e não tinha laje, dava pra ouvir o que conversavam no quarto ao lado.

Mas tenho que reconhecer que tudo estava impecavelmente limpo!

Trinta e cinco “merréis” (palavreado dos antigos, a criançada de hoje não sabe o que é isso), R$35,00 (trinta e cinco reais) a diária do quarto para acomodar 4 pessoas.

Ah! Único luxo existente: uma televisão de 14 polegadas.

Se esse era um dos melhores, nem pensamos em procurar outro. Preenchemos a ficha de hospedagem, perguntei onde poderíamos guardar nosso carro, o dono do hotel disse que poderíamos guardar no quintal, bastava dar a volta no quarteirão, que ele já ia pra lá abrir o portão.

Demos a volta com o carro, entramos pelo portão à dentro passando pelo meio de um matagal e estacionamos o carro num espaço perto da entrada da cozinha do hotel.

Eu disse matagal porque já era noite e não estava dando pra distinguir muita coisa, no dia seguinte deu pra ver que era uma pequenina plantação de milho, perto de alguns pés de laranja e uma pequena horta que era cultivada no quintal do hotel. Considerando que à noite todos os gatos são pardos, para mim, aquele monte de verde era só mato!

Enfim... Paramos o carro no local que ele indicou e fomos para dentro do hotel. Lembro-me bem que no exato momento em que cruzei a porta da cozinha, um sinal de alerta acendeu e perguntei para meu filho:

— Trancou a porta do carro?

Sabe... Ele não respondeu, ou melhor, não teve tempo de responder, quem respondeu foi o velhinho, dono do hotel, que simplesmente nos surpreendeu dizendo:

— Não precisa, vocês estão em Minas!

A resposta simplesmente me desconsertou. Não me atrevi a falar mais nada. Senti, no orgulho com que ele disse essa frase, exatamente o que ele estava dizendo sem sequer pronunciar as palavras.

Senti que ele simplesmente estava dizendo: Fiquem tranqüilos, vocês estão em Minas, estão na minha terra, aqui só tem gente de bem!

Instalamo-nos e perguntamos ao dono do hotel onde poderíamos comer. Perguntei apenas pra puxar conversa, pois já tínhamos visto o restaurante do posto e considerando que o dono do posto era amigo dele, lógico que o melhor lugar pra se comer seria no posto em que fomos.

Não era!

Ele nos levou até a porta do hotel... Ah! O hotel era térreo, uma construção comprida com vários quartos e olha lá!

Na porta do hotel ele apontou para uma casinha do outro lado da rodovia, uns 100 metros de distancia mais ou menos, com apenas uma portinha na frente, um bico de luz sobre a porta, daqueles bem fraquinhos, a iluminar, parecia aquelas vendinhas de roça, se vocês já tiveram o prazer de conhecer uma, mal iluminadas e disse:

— Ali serve comida caseira, por pessoa, todo mundo que vem aqui eu indico. A comida é simples, mas é boa e barata.

Juro...

Chamei minha esposa, meu filho e a namorada dele e fomos até lá, apenas porque o dono do hotel ficou parado na porta. Não tinha como não ir, fiquei chateado de dizer: pô aquele lugarzinho lá ta meio brabo tio!

Atravessamos a rua e fomos... No meio do caminho ainda olhei para trás para ver se ele ainda estava olhando, se ele tivesse voltado para dentro do hotel, eu teria virado e seguido em direção ao posto de gasolina que também não era longe, dava pra ir a pé e jantado lá.

Teria quebrado a cara!

Como ele continuou parado na porta do hotel, continuei seguindo e chegamos à porta do tal restaurante de comida caseira, e qual não foi nossa surpresa?

O tal lugar era uma casa. Da porta que fazia divisa com a rua vimos um enorme corredor de vermelhão (bri-lhan-do!) e lá no fundo vimos uma espécie de prateleira feita de vergalhão, esses ferros de construção, com várias panelas penduradas.

No que eu bati o olho na prateleira, falei pra minha esposa:

— É aqui que a gente vai comer!

Da porta da rua, alguém com a visão um pouquinho melhor que a minha seria capaz de ver sua imagem refletida nas panelas penduradas na prateleira, de tanto que brilhavam.

Entramos... Chegamos até a cozinha do lugar, onde estava uma moça, de costas para nós mexendo as panelas num fogão a gás, um senhor sentado à mesa, um cliente, esperando ser atendido, e uma senhora, de porte miúdo, mexendo as panelas num fogão à lenha.

Querendo ser simpático e educado, falei:

— Boa noite!

A velhinha, a moça e o cliente responderam:

— Boa noite!

Querendo puxar conversa, perguntei:

— O que temos hoje para o jantar?

A resposta foi abafada pelo riso da minha esposa e do meu filho, pois a velhinha na bucha respondeu:

— O de sempre: arroz, feijão, carne e legumes!

Como quem diz: Se quiser, é isso! Se não quiser, é isso também!

Pra não ficar por baixo respondi com a maior propriedade:

— É isso que a gente ta procurando!

Sentamos, a moça, ajudante da velhinha veio, colocou pratos, copos, perguntou se queríamos beber alguma coisa (não sei por que perguntou... só tinha coca-cola pra beber!), pedimos uma coca, que acabamos por dividir com o senhor que estava sentado à mesa junto conosco e ficamos aguardando a comida.

Não demorou muito ela apareceu!

Um prato com arroz branco soltinho, outro com feijão com caldo grosso, outro com abobrinha picadinha bem pequenininha, outro com chuchu também bem pequenininho, mais outro com bifes de pernil de porco, outro com pedaços de frango caipira (a velhinha fez questão de dizer que na casa dela só entrava frango e ovo caipira).

Começamos a comer!

Acabou a abobrinhas, veio mais.

O frango caipira acabou (estava uma delicia!) veio mais, da mesma forma que veio mais chuchu, mais arroz, mais carne de porco...

“Cinco real”, como diz por aí, foi o que pagamos por pessoa.

Bão!

Meu filho disse uma frase, na mesa, que resume muito bem aquilo que vivenciamos naquela noite, ele disse:

— Isso é o que eu chamo de janta!

Sem desmerecer a comida da Bahia, mas estávamos de férias, quinze dias bebendo cerveja, comendo tira-gosto, jogando baralho, tomando mais cerveja e quando com fome: comendo uma pizza.

Mas aquela comidinha simples, com gosto de casa da vovó nos fez ter saudades de casa, nos fez sentir em casa, apesar de ainda distantes dela.

Com certeza jamais voltarei nesse lugar, seria um prazer voltar, mas com certeza, foi um dos melhores jantares que já saboreei na minha vida!

Se um dia tivesse que escolher um slogan para essa cidadezinha, com certeza seria: Divisa Feliz – Aqui você já pode se sentir em casa!


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Um comentário:

ANA disse...

Adorei essa história com H.
Dá para sentir o gosto dessa JANTA maravilhosa.
E os detalhes então do lugar... é só fechar os olhos e VIAJAR para lá.
Parabéns querido primo.
Bjsssssssssssssss.