Comprando uma geladeira nova

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“Ce não sabe da maior!”

Assim, na bucha! Com os braços levantados, as duas mãos abertas, o corpo meio que para trás, meio que de lado, do jeito que ele sempre faz quando vai contar alguma coisa engraçada. Foi isso que o Nena disse assim que me avistou outro dia, quando fui até sua casa.

Nem oi, como vai? Pô você sumiu... Nada! Foi assim mesmo, ergueu os braços, soltou esse “Ce não sabe da maior!” e me deu um abraço. Nem perguntei o que era, mas imaginei: alguma caca minha prima fez.

Não deu outra, foi isso mesmo. Abraço dado, ele começou a falar:

— Veja se não tenho razão em querer internar sua prima num hospício!

E começou a contar... Disse que no sábado anterior, ela chamou o filho para levá-la de carro até a cidade, ela queria comprar uma geladeira nova.

Chegaram à praça da cidade, por sinal uma praça que foi transformada num imenso calçadão rodeado de casas de comércio por todos os lados e entraram numa dessas lojas especializadas em eletrodomésticos.

Mal deu tempo de um vendedor chegar até ela para oferecer ajuda quando sua atenção foi desviada por um barulho que ela ouviu ao lado. Virou-se e viu um rapaz agachado e cutucando com uma vassoura alguma coisa embaixo de um móvel.

— O que tem aí filhinho? Perguntou ela, com seu jeitinho delicado.

— Tem uma cachorra prenhe aqui embaixo. Respondeu o coitado do rapaz na maior inocência.

— O quê?

Assim mesmo, não coloquei maior por que não caberia na folha A4, mas berrou na orelha do rapaz. Esse é seu outro jeitinho, o nada delicado.

— Chama o gerente!

O gerente aparece.

— Como o senhor deixa seu funcionário fazer uma coisa dessas?

— Mas minha senhora, eu preciso tirar a cachorra daí, ela ta prenhe, não pode ficar aqui na loja.

— Mas não desse jeito né? Entra o senhor embaixo do armário que eu vou ficar cutucando com o cabo da vassoura pra ver se o senhor gosta.

— Tira o móvel daí e com cuidado pra não machucar a cachorra. Gritou gesticulando e falando um monte de outros impropérios que não lembro nem da metade. Nessa altura eu ria tanto que nem conseguia escutar direito as palavras do Nena. Muita coisa que está aqui é da minha imaginação, não guardei a maioria das palavras, mas captei bem o espírito da coisa.

O pessoal da loja tirou o armário do lugar e a cachorrinha apareceu, toda acuada, encolhidinha de medo e provavelmente sentido alguma dor.

— Olha só! Coitadinha... Pega ela com jeito e vamos levar la pra fora.

— Mas se ela me morder? Perguntou um dos rapazes, indicado pelo gerente para fazer o serviço.

— Vai ser bem feito! Respondeu na lata, minha prima e ainda completou:

— Vai se borrar todo de medo agora? Na hora de chuchar a coitada com o cabo da vassoura ninguém estava com medo.

— Pega ela logo, e com cuidado!

Pegaram a cachorra no colo e levaram para fora da loja, minha prima na frente, com passos firmes, seu jeitinho de andar rápido, corpo empinado, cabeça erguida, toda toda... Ao estilo Ana Lucia. Poderosa! Diriam alguns. “Tipo sargentão” Diria minha filha que vive no meio militar.

Foram para fora da loja e chegando na praça minha prima escolheu um lugar sob um dos bancos e mandou... Sim! Mandou. Ela é muito boazinha, um amor de pessoa, um coração de ouro, mas... Não tira ela do sério porque ela não nega a raça, ela puxou a “italianinha mafiosa”, minha querida e adorável vó Graça. Sabe mandar que é uma beleza e, detalhe: Conhece a maioria dos palavrões existentes e quando não se lembra de algum, inventa.

Então... Colocaram a cachorrinha no lugar que ela escolheu e ela continuou a mandar.

— Arruma uma vasilha com água pra ela.

— Arrumar uma vasilha onde minha senhora? Questionou o gerente.

— Não sei, a loja é sua!

Não demorou muito e uma vasilha com água fresquinha apareceu.

— Arruma pão pra ela comer que ela deve estar com fome.

Outra vez o gerente: — Na loja não tem pão minha senhora...

— Então manda comprar!

Apareceu o pão...

Depois que a cachorrinha comeu pão, bebeu água e se aninhou quietinha no cantinho do banco ela deu-se por satisfeita e voltou para a loja do mesmo jeito que tinha saído dela, toda toda...

Nesse ponto o pessoal todo se dispersou.

Não falei?

É! Juntou gente pra ver. Começou a juntar ainda dentro da loja quando ela deu o primeiro berro no ouvido do gerente, e não parou mais. Na praça, as pessoas que passavam paravam pra ver o que estava acontecendo.

Não sei se no final aplaudiram, não me lembro desse detalhe, talvez não, afinal muitos pegaram o bonde andando, não viram o começo da história. Isso! História com h, porque aconteceu de verdade. Mas... Só queria dizer que se não aplaudiram, eu teria iniciado a salva de palmas se estivesse la.

Pois bem... Voltou ela para a loja e encontra seu filho, Moreno, que não sabia onde enfiar a cara (contou ele depois) que, parado na porta, com a mão aberta sobre a sobrancelha, pergunta assim que ela chega bem perto:

— Ce é loca né mãe?

Ela nem responde, apenas fala sem entrar na loja:

— Vamos embora Moreno!

— Como vamos embora? Você não vai comprar a geladeira?

— Não vou comprar p... nenhuma de geladeira, muito menos nessa loja, vamos embora!

E seguiu com seus passos firmes e determinados gesticulando como toda boa descendente de italiano que fala com as mãos, com a deliciosa sensação de dever cumprido.

Queria ter estado lá pra ver a cena...


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2 comentários:

Crônicas e Vinhos disse...

Amei essa história, chorei, literalmente, de rir! Imaginei todas as caras e bocas da Ana...o máximo! Agora, dà um jeito de a gente seguir o seu blog...pq ele tá demais! besos, Katia, sua nora preferida e UNICA!

ANA disse...

Pois é.... foi assim mesmo!!!!!
Eu sou mesmo descendente de italianos, rio alto, falo alto, gesticulo muito e sou um poquinho MAFIOSA quando fico brava(rsssssss).
Bjsssssssssss querido primo.